NEA ONNIM NO SUA A, OHU

NEA ONNIM NO SUA A, OHU - Aquele que não sabe, pode saber aprendendo. Símbolo do conhecimento, da educação ao longo da vida e da busca contínua pelo conhecimento.

sábado, 20 de junho de 2015

Estar Em Seu Próprio Corpo: Como Esta a Sua Corporeidade?

José Evaristo Silvério Netto


Estar em seu próprio corpo é uma importante lição que temos que aprender, para o nosso bem. Estar em nosso próprio corpo é algo inusitado de se pensar, porque a priori não pensamos que estamos fora dele. Mas estamos.

Na Educação Física, a Biomecânica nos ajuda a entender sobre o centro de gravidade corporal. Quando o corpo esta em posição anatômica o centro de gravidade se localiza ligeiramente abaixo da cicatriz umbilical, dentro do quadril (portanto dentro do corpo). Quando movemos algum membro, por exemplo o braço para frente do corpo, o centro de gravidade do corpo se movimenta acompanhando o movimento do membro, podendo ficar à frente do corpo (e ai o corpo tende a desequilibrar para frente), porque o centro de gravidade (centro de massa corporal) fica fora do corpo. 



Atualmente, dada a colonialidade, pensamos como se estivéssemos sempre 100 metros à frente do nosso próprio corpo, sempre preocupados com eventos futuros, com horários a cumprir, com o que temos que fazer daqui 40 minutos ou dois dias. Nossa consciência, como ocorre com o centro de gravidade quando à frente do corpo, se comporta de maneira parecida. Não percebemos mais o nosso próprio corpo porque via de regra estamos sempre preocupados com expectativas externas a nós mesmos, estamos fora do nosso corpo, à frente dele. Deixamos o nosso corpo para trás!

No caso do centro de gravidade a frente do corpo, esta provoca um desequilíbrio para frente de modo que o corpo tende a cair, e para reequilibrar é necessário uma força no sentido contrário. Em analogia, a nossa consciência esta igualmente fora do nosso corpo, a frente dele, e não sendo ela mais parte do corpo, ou o corpo parte dela, isso provoca um desequilíbrio. Este desequilíbrio provocado pela consciência fora do corpo corresponde a insensibilidade a si mesmo, e, consequentemente, às outras pessoas. A partir deste processo de insensibilidade, por conta do efeito da consciência deslocada do seu próprio corpo, abre-se possibilidades para que preconceitos de toda sorte se aloje nos espaços que sobraram da ausência da consciência no corpo, ou em sua corporeidade



O desafio que temos é de retornar aos nossos corpos, voltando a sentirmo-nos e a sentir o mundo a nossa volta. O desafio é provocarmos um retorno da nossa consciência para os nossos corpos, e nossa corporeidade, de modo a combatermos e desconstruirmos padrões de beleza que não nos contemplam, ansiedades e pensamentos que estão orientados apenas às expectativas e metas no futuro. O desafio é desfrutar o presente, vivendo e sentindo-o com cadência e malevolência, em oposição a pressa e a superficialidade da modernidade. 


sábado, 16 de maio de 2015

Racismo na Seleção de Ginástica Artística: A Justiça para Além de Medalhas

José Evaristo Silvério Netto

Um vídeo postado por atletas da seleção brasileira de ginástica mostra um crime de Racismo, contra o atleta Ângelo Assumpção. Na prova do crime, os criminosos que compõem a equipe de ginástica humilham o atleta, utilizando analogias que caracterizam o sistema de valores e ideologia racista. 


O Esporte é uma dimensão cultural importantíssima para as sociedades contemporâneas, haja visto o impacto que provoca na vida das pessoas. O Esporte movimenta milhares de milhões de reais, gera empregos diretos e indiretos, constrói sistemas de valores, ideologias, mobiliza pessoas e alteram resultados políticos. O Esporte, e isso é muito importante para pensarmos, impacta sobretudo em nossa estrutura afetiva e emocional, emocionando-nos e fazendo-nos engajar em sua prática ou em seu consumo como apaixonados, amantes. 

Pelo impacto emocional que nos provoca, assim como as Artes, o Esporte possui grande poder e influência sobre nossos sistemas de valores, crenças, e referenciais identitários. Não por acaso foi e é utilizado por governos, empresas e pessoas em todo o mundo, como instrumento político e ideológico para convencer as pessoas de algo, ou para pressionar e tendenciar politicamente. 

Quando pensamos no racismo no esporte, tendemos a pensar somente na dimensão do alto rendimento esportivo, no esporte midiático, mas esta é apenas a ponta do iceberg. Se temos inúmeros casos em nossa sociedade de exemplos de racismo no esporte com super atletas negros que foram e são vitimizados, o que dirá das nosss crianças e jovens que frequentam os campos de várzea, as ruas, as quadras nas praças e principalmente as escolas nas aulas de Educação Física e durante o intervalo de aulas, ou em projetos nas férias. Precisamos nos conscientizar do Racismo do dia-a-dia, que ocorre na trivialidade do xingamento na pelada da rua, na brincadeira de pega-pega. 

Conscientes de que o racismo é um sistema que norteia praticamente todas as relações humanas, em praticamente todos os contextos da vida em sociedade no Brasil, conseguimos entender também que estes casos emblemáticos de Racismo no Esporte Midiático, quando não tratados com justiça, acabam por reforçar os casos do racismo do dia-a-dia, contribuindo para uma sociedade cada vez mais violenta, desigual, intolerante.



Pela importância que o Esporte, enquanto dimensão cultural, assume na vida das pessoas, é importante que casos de Racismo e crimes correlatos sejam tratados com a seriedade que merecem. O que esta em jogo é muito mais do que medalhas em campeonatos internacionais. O Brasil tem uma história de violência, de derramamento de sangue para com a população negra e indígena, e estamos chegando em um momento de ruptura deste cenário. A população esta cada vez mais saindo da condição anestesiada - por uma violência sem precedentes que colocou em coma as mentes, através do processo de colonização e colonialidade - e exigindo justiça frente aos casos de Racismo.

É importante que a Confederação Brasileira de Ginástica tome providências sobre o caso de Racismo contra o nosso atleta Ângelo Assumpção. Este crime não lesa apenas o atleta que foi a vítima direta, mas também toda a população afrobrasileira e africana. O racismo é um crime, e a começar por ai, a Confederação não pode ficar de braços cruzados. Ficar de braços cruzados significa se posicionar em defesa dos criminosos, fortalecendo a lógica de que o Estado Brasileiro é Racista, e especificamente, de que a Confederação Brasileira de Ginástica pratica Racismo Institucional. Não há possibilidade de qualquer decisão que fique somente por uma advertência verbal ou algo do tipo ser uma decisão em defesa da vítima, que no caso é o atleta Ângelo Assumpção, que representa todo a a nação brasileira.


O povo brasileiro quer mais do que apenas medalhas. Nós queremos justiça, e não haveria neste momento, maior e melhor contribuição que a Confederação Brasileira de Ginástica pudesse dar ao país, senão justiça frente ao caso de Racismo contra o atleta Ângelo Assumpção.

Saúde, Agência e Educação: entre teorias e práticas

José Evaristo Silvério Netto

O construto teórico de saúde diz respeito as regulações humanas nos aspectos biológico, psicológico e social, e as suas subunidades, sendo uma matéria bastante complexa e de difícil investigação e compreensão. Quanto as estratégias intervencionistas para a promoção da saúde coletiva, principalmente em estratos sociais vuneráveis, o fator etnia/cor precisa ser considerado para que seja possível investigar com profundidade a influência da condição de ser negro ou não negro na saúde negativa ou positiva das populações. 

Entendendo a saúde como um contínuum, onde em um extremo temos o contexto de saúde positiva, e no outro, um contexto de saúde negativa e consequentemente a morte, faz-se necessário entender o impacto do racismo no deslocamento do estado de saúde das pessoas negras, em especial das crianças negras em processo de escolarização. 


De acordo com a Teoria Sócio Cognitiva de Albert Bandura, o ser humano se comporta norteado pela interrrelação entre os fatores comportamento, fatores pessoais, e os fatores ambientais, todos agindo como determinantes que se influenciam bidirecionalmente. Esta relação é denominada como relação de reciprocidade triádica¹. Dentro desta grande teoria, existe uma subteoria chamada Teoria de Autodeterminação, que trás a ideia de que a motivação é o motor primário do comportamento humano, e é norteada por necessidades básicas² inatas que são: sentir-se competente; sentir-se com agência pessoal; sentir-se filiado a algum grupo social. 

Estas necessidade são contempladas quando o contexto no qual o individuo se encontra é avaliado pelo mesmo como seguro, positivo, ou seja, um ambiente em que ele se sente bem. Porém, quando o indivíduo percebe o ambiente como adverso, e não mais tem contempladas as necessidades psicológicas básicas e inatas, acaba por desenvolver um comportamento ou conduta não autodeterminada, perdendo controle ou agência pessoal e se sentindo controlado por fatores sociais externos à sua vontade e prazer. 

Como será que estas necessidades básicas de ter agência pessoal, se sentir competente e estar em um grupo social, se desenvolvem na maioria das crianças negras em processo de escolarização? Como fica a saúde das crianças, considerando o construto teórico que nos apresenta as dimensões biológica, psicológica e social, e que nos dá a ideia de construção de uma situação de saúde positiva, quando estas dimensões estão equilibradas, e negativa e, no pior quadro a morte, quando alguma destas dimensões estão desequilibradas?

O que proponho neste singelo texto é que o contexto escolar precisa ser revisto a luz da Lei 10.639/03 que obriga o ensino da história dos Africanos e Afrobrasileiros de forma positiva, para que se conte a história da humanidade corretamente, mas também para que as crianças negras tenham condições de, a partir da história verdadeira e positiva da sua descendência, possam construir uma relação positiva com o mundo, aumentando as chances de estar com saúde positiva mesmo em um contexto de desigualdade racial, se sentindo motivado, conseguindo lidar melhor com o desafio da escolarização.

No limite do mínimo, o racismo destrói mecanismos básicos de construção de uma saúde plenamente positiva, destrói mecanismos para termos um comportamento motivado, destrói mecanismo para que sejamos protagonistas nos contextos em que estamos inseridos, destruindo as possibilidades de um comportamento autodeterminado e autonomo. 

Referências:
1. Azzi, RG; Polydoro, SAJ. Auto-eficácia em diferentes contextos. Campinas: Alínea. 2006.
2. Ryan, RM; Deci, EL. Self-determination theory and the facilitation of intrinsic motivation, social development and well-being. American Psychologist. 2000; 55(1): 68-78. 

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Por que estudar a Pedagogia Social?

José Evaristo Silvério Netto

Durante alguns anos, quando trabalhava como professor de Educação Física da Rede de Ensino, fui observando e refletindo sobre as fragilidades da/na escola, e pensando em como poderia contribuir para melhorar a relação das crianças com a instituição Escola e principalmente conosco, os professores, e com o currículo escolar. Era nítido que meus alunos não se sentiam bem na Escola, não confiavam naquele território e nos seus atores, e talvez por isso, tinham dificuldade para o engajamento nas tarefas escolares, sejam elas quais fossem.


É bem verdade que a disciplina Educação Física é desejada pelos alunos, porque via de regra é um dos poucos espaços no currículo escolar onde eles podem fazer algo de forma prazerosa, brincando, jogando, competindo, rindo. Pelo menos nas minhas aulas as crianças podiam se divertir, e não só podiam como isso era previsto nos meus planos de aula e unidades didáticas. Constatar que as crianças só tinham as minhas aulas no currículo escolar onde era permitido rir, brincar e se divertir, era, e ainda é, muito perturbador para mim.

Como aprender sem rir, sem brincar, sem jogar? Como aprender sem sentir prazer? E conforme o tempo foi passando, fui testemunha do projeto educacional de destruição do prazer de estudar, de milhares crianças, na sua maioria pobres, sendo que destas, grande parte eram crianças negras.

Aos gritos, muitos colegas professores, inspetores de corredor, auxiliares dos serviços de limpeza e de merenda, tentavam desesperadamente controlar o mar de crianças desiludidas e incrédulas, crianças que não se ajustam ao sistema de ensino na qual estavam sendo submetidas. Ordem e progresso (ou melhor, "progress(ão)") eram as regras máximas, sem as quais os estresses entre alunos e professores ganhavam dimensões inimagináveis.

Claro que as crianças se divertiam na escola, e que os adultos sorriam e haviam momentos de Paz e relaxamento, mas sempre estes momentos eram interrompidos abruptamente frente à ruptura da ordem escolar por algum aluno em conflito com as regras e as expectativas dos adultos.

Para mim este momento foi difícil, não consegui me enquadrar. Entendi que a escolarização com seus valores de ordem e "progress(ão)" não oprimiam só as crianças, mas principalmente os professores, e outros colegas da educação. Foi muito difícil tomar consciência de que @s professores estavam/estão mais frágeis do que seus alunos.

Neste momento, observando e refletindo, contestando a ordem escolar e discutindo com os colegas teorias e pedagogias em reuniões pedagógicas extremamente desgastantes e tristes, que mais pareciam muros de lamentações, tive a impressão de sufocamento pelas paredes, grades, portões e portas dos pavilhões escolares. Eu não coube na escola. Muit@s não cabem.

Tive que sair naquele momento e foi difícil ver lágrimas em alguns rostinhos dos alun@s, que para mim representou o vínculo que construímos e a possibilidade real de uma educação significativa, que naquele momento eu estava deixando. 

Discutir Pedagogia Social é pensar nestas lágrimas,  e nas lágrimas dos professores oprimidos. É problematizar e propor alternativas para a superação da manutenção da ordem escolar, tal qual esta consolidada nas escolas.

Pensar a Educação Social é pensar e implementar uma práxis transformadora do Espaço e do Tempo educacional, de modo a não permitir que as paredes, portas, e grades dos pavilhões escolares nos sufoquem. 

Finalmente, pensar uma Educação Social é construir um paradigma onde a criança sorria e jogue na medida em que aprende, e aprenda na medida que ri e brinca.